Ibo, 1 de Fevereiro de 2011

Meu Querido Avô,

Já há algum tempo que lhe deveria ter escrito a contar todas as coisas que tenho vivido em Moçambique – além de que quando vim para cá, nunca lhe expliquei isso realmente, achando que o Avô iria talvez ficar confuso.

Eu vim para cá com o Alexandre, pois resolvemos iniciar uma nova experiência na nossa vida, uma nova aventura, bastante longe da nossa família, mas com a bênção e o apoio de todos. Que eu tenho a certeza que o Avô também apoiaria esta nossa decisão – confesso-lhe que apesar de ter sido bem planeada, não deixou de ser uma grande mudança na nossa vida.

Nós vivemos no norte de Moçambique, na Província de Cabo Delgado, onde há muito existiu a Companhia do Niassa, que o Avô deve ter ouvido falar certamente, no tempo das colónias. A cidade capital da Província é Pemba, antiga Porto Amélia e nós estamos entre a cidade e o mar, na Ilha do Ibo, no Arquipélago das Quirimbas, ao Norte de Pemba.

Vivemos ora uns dias em Pemba, onde tal como nos filmes dos cowboys, temos de ir à cidade comprar mantimentos, ir ao Banco e aos Correios, tratar de assuntos, ora uns dias no Ibo, tal como o dia de hoje. Hoje estou no Ibo. A 9.000 e tal kms de distância de Lisboa, onde é preciso fazer uma viagem de barco, 120km de estrada e apanhar 2 aviões para chegar até ao pé de si.

Estou longe, Avô. Mas sinto-me sempre perto, porque aqui há muita coisa, tanta coisa em que eu revejo todas as pessoas de quem gosto, tal como o vejo a si em todos os pássaros que não me canso de observar. Há já um grupo considerável de pessoas que dizem que o Ibo é um lugar muito especial para a observação de pássaros, espécies muito raras e outras mais vulgares, que formam uma comunidade de centenas de aves. Hoje no nosso jardim, e nestes últimos dias, temos tido a visita de imensos pássaros que andam todos a acasalar e a fazer os ninhos, além de virem comer as minhocas que andam no chão e que saem cada vez que cai a chuva. Além dos tecelões, amarelo vivo, e das rolas cor-de-rosa pastel, há uns muito pequeninos azuis turquesa e cinzentos, outros todos cinzentos, com rabo de papagaio e com os olhos pintados de encarnado, também vi e fotografei um pequenino de peito encarnado fogo, asas pretas e bico arredondado preto – que muito elegantemente se punha de cabeça para baixo num ramo de uma árvore. Ficou uma bela foto!
Tenho andado com a máquina a ver se os consigo fotografar, além dos binóculos, que a Mãe que ofereceu ao Alexandre, e que nos deixam vê-los tão nitidamente como se estivessem na televisão.

Além destes pássaros que andam pelas árvores e pelo nosso jardim, há todas as maravilhosas aves que vivem no mangal e na praia sempre que a maré está baixa. Flamingos, cegonhas, pelicanos africanos (todos cinzentos), garças, gaivotas, são muitas e de todos os tamanhos, feitios e cores.

Ontem pelas 17h00, 15h00 em Lisboa, sai para ir correr com o por do sol. Corri uns 50 minutos, num passo muito calmo, com o Alexandre mais lá à frente e fiz uma volta pela Ilha. Estava uma tarde muito calma, sem vento, e com uma temperatura tão morna que tudo estava suave. O verde, as crianças a jogar à bola, a maré serena, as nuvens tingidas de cor de rosa e laranja líquido, o cheiro das fogueiras que se acendiam para fazer o jantar, cozer o pão ou queimar as folhas secas.

Junto ao mar havia muitos caranguejos, que nesta altura vêm para dentro da Vila, numa espécie de êxodo rural, que nem eles próprios devem saber porque se vêm meter aqui. O sol ia descendo ao mesmo passo que as cegonhas pousavam nos ramos do mangal em frente, num ritmo sem pressa, como se cada segundo bastasse para sentir o mundo inteiro. E eu passei na minha corrida por todo este cenário, como se desenrolasse um filme na minha frente. Suava copiosamente, mas sentia-me bem e o meu corpo devolvia-me a mesma sensação desse final de tarde. Estava uma luz muito nítida, que chegava em missão de paz para terminar o dia na Ilha. E eu terminei a minha corrida!

O Alexandre e eu fizemos o jantar e ainda jogamos cartas, rindo muito. A atmosfera tinha-se tornado mais densa pela noite dentro, ficando um calor insuportável. Às 5h00 caiu finalmente a chuva e só com ela voltou a brisa e o vento que refrescou toda a ilha e a soltou de uma humidade atroz que se tinha instalado noite dentro. Acordei com a chuva que entrava pela janela do quarto, com o vapor que me molhava a cara! Sobressaltados saímos da cama e fomos fechar a janela. Foi o Alexandre que viu a mensagem, foi ele que ficou com uma cara triste e foi ele que me contou que o Avô já não estava cá.

Mas hoje os pássaros continuam aqui no meu jardim, e eu vejo-o aqui sentado com os seus livros a observá-los. E ainda passam borboletas e libelinhas flutuadoras, que olham para si e contornam o seu corpo, cumprimentando-o com um sorriso.
O Avô estará sempre por aqui então, já sei onde o encontro. E o Avô já sabe por onde eu ando, pode ser que me veja pelo olho de um pássaro - do mais belo pássaro do mundo.

Um grande beijo da sua neta,
Ritinha (do Bô)

P.s – Não posso deixar de sofrer com esta distância a que encontro da minha família, num momento tão difícil e triste para todos. Só quero que sintam paz e amor nos vossos corações, porque o Avô era um coração cheio de amor, um homem cheio de bondade que a mim me ensinou que “tudo passa”. E que se é sempre feliz quando se ama alguém de verdade.

Comentários

Anónimo disse…
Mais uma prosa lindíssima.Como é evidente , já foi enviada para todos os primos Simões.
Anónimo disse…
Lindissimo! Impossível conter as lágrimas que teimam em rolar rosto abaixo.

Cara professora Rita não deixa nunca de presentear os seus leitores com os seus belos textos.

Lamento a sua perda.Abraço.

Mª João Fresco
Anónimo disse…
Rita, como é lindo aquilo que escreves! E revejo-me nas tuas palavras. Perder alguém é uma dor profunda, mas só se perde fisicamente a pessoa, porque a ligação, essa, mantêm-se até nós morrermos. bjs grande Mj Barbosa

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